Ensino religioso em escolas públicas
O Plenário iniciou o julgamento de ação direta na qual se discute o ensino religioso nas escolas públicas do país.
O ministro Roberto Barroso (relator) votou pela procedência do pedido formulado na ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição Federal (CF) do art. 33, “caput”, e §§ 1º e 2º (1), da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), e do art. 11, § 1º (2), do acordo Brasil-Santa Sé aprovado por meio do Decreto Legislativo 698/2009 e promulgado por meio do Decreto 7.107/2010.
Pontuou que o Estado deve desempenhar dois papeis decisivos na sua relação com a religião. Em primeiro lugar, cabe-lhe assegurar a liberdade religiosa, promovendo um ambiente de respeito e segurança para que as pessoas possam viver suas crenças livres de constrangimento ou preconceito. Em segundo lugar, é dever do Estado conservar uma posição de neutralidade no tocante às diferentes religiões, sem privilegiar ou desfavorecer qualquer uma delas.
Nesse contexto, apontou que a solução da controvérsia constitucional sobre o ensino religioso nas escolas públicas se encontra na confluência de três normas diversas: a que prevê o ensino religioso [CF, art. 210, § 1º (3) ], a que assegura a liberdade religiosa [CF, art. 5º, VI (4)] e a que consagra o princípio da laicidade [CF, art. 19, I (5)].
Ressaltou que a simples presença do ensino religioso em escolas públicas já constitui uma exceção feita pela CF à laicidade do Estado. Por isso mesmo, a exceção não pode receber uma interpretação ampliativa para permitir que o ensino religioso seja vinculado a uma específica religião.
Em seguida o relator pontuou que o princípio da laicidade possui três conteúdos jurídicos distintos: separação formal entre Igreja e Estado; neutralidade estatal em matéria religiosa; e garantia da liberdade religiosa.
Esclareceu que o ensino religioso nas escolas públicas, em tese, pode ser ministrado em três modelos: confessional, que tem como objeto a promoção de uma ou mais confissões religiosas; interconfessional, que corresponde ao ensino de valores e práticas religiosas com base em elementos comuns entre os credos dominantes na sociedade; e não confessional, que é desvinculado de religiões específicas.
Somente o modelo não confessional de ensino religioso nas escolas públicas é capaz de se compatibilizar com o princípio da laicidade estatal. Nessa modalidade, a disciplina consiste na exposição neutra e objetiva das doutrinas práticas, história e dimensões sociais das diferentes religiões, incluindo posições não religiosas, e é ministrada por professores regulares da rede pública de ensino e não por pessoas vinculadas às confissões religiosas.
Por fim, propôs a seguinte tese: “O ensino religioso ministrado em escolas públicas deve ser de matrícula efetivamente facultativa e ter caráter não confessional, vedada a admissão de professores na qualidade de representantes das religiões para ministrá-lo".
O ministro Alexandre de Moraes votou pela improcedência da ação. Entendeu que o Poder Público, observado o binômio laicidade do Estado (CF, art. 19, I) e consagração da liberdade religiosa no seu duplo aspecto (CF, art. 5º, VI), deverá atuar na regulamentação integral do cumprimento do preceito constitucional previsto no art. 210, § 1º da CF, autorizando, na rede pública, em igualdade de condições, o oferecimento de ensino confessional das diversas crenças, mediante requisitos formais de credenciamento, de preparo, previamente fixados pelo Ministério da Educação.
Ponderou que, dessa maneira, será permitido aos alunos se matricularem voluntariamente para que possam exercer o seu direito subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas públicas. Apontou que o ensino deve ser ministrado por integrantes, devidamente credenciados, da confissão religiosa do próprio aluno, a partir de chamamento público já estabelecido em lei para hipóteses semelhantes (Lei 13.204/2015) e, preferencialmente, sem qualquer ônus para o Poder Público.
Salientou que a CF garante a liberdade de expressão às ideias majoritárias e a minoritárias, progressistas e conservadoras, políticas e ideias religiosas. Assim, não se pode, previamente, censurar a propagação de dogmas religiosos no ensino religioso para aquele que realmente quer essas ideias.
Ressaltou que os dogmas de fé são o núcleo do conceito de ensino religioso. Dessa forma, o Estado violaria a liberdade de crença ao substituir os dogmas da fé, que são diversos em relação a cada uma das crenças, por algo neutro. A neutralidade no ensino religioso não existe. O que deve existir é o respeito às diferenças no ensino religioso.
O Ministro Edson Fachin acompanhou a divergência e votou pela improcedência da ação. Frisou que há de se ter em conta que o direito garantido no art. 5º, VI, da CF é integrado pelo disposto no art. 12 do Pacto de São José da Costa Rica (6). Nesse contexto, ressaltou que, ao contrário do que a interpretação literal do art. 5º, VI, da CF parece sugerir, há, no direito à liberdade de religião, uma dimensão pública.
Além disso, apontou que o pluralismo democrático não prescinde de convicções religiosas particulares. A separação entre Igreja e Estado não pode, portanto, implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião à sua esfera privada.
O princípio da laicidade não se confunde com laicismo. Explicou que o referido princípio veda que o Estado assuma como válida apenas uma crença religiosa ou uma determinada concepção de vida em relação à fé.
O pluralismo de uma sociedade democrática exige de todos os cidadãos processos complementares de aprendizado a partir da diferença. Isso implica reconhecer que a própria noção de neutralidade do Estado, como expectativa normativa de um princípio da laicidade, é, ela própria, sujeita ao diálogo, ao debate e ao aprendizado.
Por fim, ponderou que a escola deve espelhar o pluralismo da sociedade brasileira. Ela deve ser um microcosmo da participação de todas as religiões e também daqueles que livremente optaram por não ter nenhuma.
A ministra Rosa Weber acompanhou o relator e votou pela procedência da ação. Afirmou que a exegese sistemática e harmônica dos textos constitucionais envolvidos (CF, arts. 5º, VI, 19, I, e 210, § 1º) leva ao endosso da tese de que o ensino religioso das escolas públicas brasileiras só pode ser o de natureza não confessional.
Afirmou que o ensino religioso não pode estar vinculado a qualquer religião sob pena de comprometimento do princípio da laicidade. Tal preceito implica absoluta neutralidade do Estado frente à pluralidade de crenças, de modo a proporcionar convivência pacífica entre os seguidores das diversas confissões e assegurar respeito aos indivíduos que optam por não professar religião alguma.
Pontuou que religião e fé dizem respeito ao domínio privado e não ao domínio público. O Estado há de ser neutro nessa questão.
O ministro Luiz Fux também votou pela procedência da ação. Afirmou que o ensino religioso nas escolas públicas, à luz do princípio da unidade da CF, deve observar o princípio da liberdade religiosa, o direito à não discriminação, o direito à objeção de consciência.
Salientou que a exegese histórica dos dispositivos que regulam o ensino religioso indica que a CF instituiu um estado laico no qual se pressupõe: a inexistência de uma religião oficial; a separação entre o estado e a igreja; e a tolerância religiosa. Ponderou que a ideologia religiosa ministrada por um professor a crianças e adolescentes invade a autodeterminação dos alunos no campo da fé, atingindo o núcleo da dignidade humana na visão kantiana.
Nesse contexto, concluiu que a educação pública religiosa universalista e não confessional é a única apta a promover gerações tolerantes que possam viver em harmonia com diferentes crenças na sociedade plural ética e religiosa brasileira.
Em seguida, o julgamento foi suspenso.
(1) LDB: “Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso”.
(2) Acordo Brasil-Santa Sé: “Art. 11. A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. §1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”.
(3) CF: “Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.
(4) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; ”.
(5) CF: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; ”.
(6) Pacto de São José da Costa Rica: “Art. 12. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado”.
ADI 4439/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 30 e 31.8.2017. (ADI-4439)
1ª Parte:
2ª Parte:
3ª Parte:
1ª Parte:
2ª Parte:
3ª Parte:
4ª Parte:
Decisão publicada no Informativo 875 do STF - 2017
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Ensino religioso em escolas públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 out 2017, 23:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/informativos temáticos/50900/ensino-religioso-em-escolas-publicas. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
Por: maria edligia chaves leite
Por: MARIA EDUARDA DA SILVA BORBA
Por: Luis Felype Fonseca Costa
Por: Mirela Reis Caldas
Precisa estar logado para fazer comentários.